Certificadoras e empresas corromperam a ideia, adaptaram-na às suas exigências e a deixaram sem conteúdo
Con Didier Leitón
É necessário o resgate da ideia original de Comércio Justo
Certificadoras e empresas corromperam a ideia, adaptaram-na às suas exigências e a deixaram sem conteúdo
Didier Leitón Valverde é secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores de Plantações Agrícolas (SITRAP) e subcoordenador da Federação Nacional dos Trabalhadores da Agroindústria e Afins (FENTRAG). Em conversa com A Rel, o dirigente sindical costarriquenho criticou asperamente o comportamento das certificadoras, por terem desvirtuado e corrompido a ideia originaria que deu vida ao Comércio Justo.
-Qual é o eixo central do Comércio Justo e como tem sido o seu processo na Costa Rica?
-O Comércio Justo nasceu como um movimento e um projeto de desenvolvimento a serviço dos pequenos produtores e produtoras, e dos trabalhadores e trabalhadoras.
Na Costa Rica, víamos esse tipo de comércio como uma alternativa para sair da pobreza, melhorando os salários e as condições socioeconômicas das pessoas que trabalhavam nas plantações de banana e de abacaxi.
Junto com a Coordenadoria Latino-Americana dos Sindicatos Bananeiros (COLSIBA), apoiamos e incentivamos essa ideia, trabalhando também para que os pequenos, médios e grandes produtores respeitassem os direitos humanos, trabalhistas, sindicais, ambientais e as convenções coletivas.
Chegamos inclusive a incentivar as organizações de consumidores europeias e norte-americanas a que apoiassem esta iniciativa e pagassem uma pequena taxa por cada caixa de banana ou de abacaxi exportada, e que esta taxa fosse usada para melhorar as condições de vida das pessoas.
Infelizmente, tudo isto está ficando no passado e a ideia original de Comércio Justo perdeu todo o seu conteúdo, passando a ser uma coisa puramente comercial. As agências certificadoras têm muita responsabilidade nisto.
-O que é que aconteceu exatamente?
-Venderam ao mundo a ideia de que estas certificações representam uma mudança importante em termos de responsabilidade social nas plantações, só que isto é completamente falso.
Eles reduziram toda essa ideia a uma visão meramente comercial, focados em melhorar a imagem de uma empresa ou de um setor, enquanto que as condições dos trabalhadores de abacaxis e de bananas não mudaram em nada.
Estas agências certificadoras, como Fairtrade International (FLO), SA 8000, Rainforest Alliance, só tiveram uma visão empresarial e competitiva. Passaram a ser organizações que vivem do dinheiro que as empresas lhes pagam para receberem as certificações, e este dinheiro é retirado dos trabalhadores, porque as empresas pagam salários de fome.
O triste é saber que estas normas de responsabilidade social legitimam as péssimas condições de trabalho e sindicais existentes na agroindústria.
-Há algum caso mais pontual que o senhor queira mencionar?
-As empresas produtoras de abacaxi, El Bosque, propriedade da Standard Fruit Company de Costa Rica S.A. (Dole) e a Fazenda Saint Peter, propriedade da Del Monte, obtiveram várias certificações, entretanto o nível de perseguição sindical e trabalhista é muito alto.
Já apresentamos farta documentação sobre o que acontece nestas propriedades, porém os auditores das agências certificadoras não nos deram importância e continuaram certificando essas empresas.
Aliás, indo além desses casos, na Costa Rica é difícil encontrar empresas que realmente respeitem a legislação trabalhista e os convênios internacionais que garantem o direito à liberdade sindical e à negociação coletiva.
Muitas das que estão certificadas, continuam se aproveitando dessa taxa, desse prêmio, por cada caixa de banana ou abacaxi exportada para a Europa ou aos Estados Unidos, que, obviamente, quase nunca é investido para melhorar os direitos e as condições de vida dos trabalhadores.
-Qual é a posição da FENTRAG com relação ao Comércio Justo?
-O Comércio Justo é importante e não deve ser abolido. A meu ver, deve ser fortalecido e incentivado, só que precisamos resgatá-lo das garras das agências certificadoras e das companhias e empresas produtoras de frutas nacionais e internacionais.
Nós da COLSIBA e da Rel-UITA devemos nos mobilizar para podermos resgatar a ideia original e o sentido mais profundo que a criou.
Foto: Giorgio Trucchi