Com Jair Krischke
A poucos dias do começo da Copa do Mundo 2014
“Os demônios estão saindo do inferno”

Foto: Gerardo Iglesias
A intensificação da repressão aos movimentos sociais e a criminalização do protesto estão chegando a níveis muito preocupantes no Brasil, disse para A Rel, o presidente do Movimento Justiça e Direitos Humanos desse país, Jair Krischke.
A poucos dias do início da Copa do Mundo 2014, as greves e manifestações de vários tipos não param em todo o Brasil. Pelo contrário, se multiplicam.
“Não são de hoje, arrancaram há um ano, com as enormes mobilizações de junho de 2013, não pararam mais e nem irão parar quando a Copa acabar. É lógico que com a Copa as manifestações se intensifiquem e fiquem mais visíveis”, afirma o reconhecido militante humanitário.
“Trazem seus problemas, claro, como os gigantescos engarrafamentos que estão vivendo em São Paulo, pela paralisação de três das cinco linhas do metrô (600 km de engarrafamentos na sexta-feira, uma coisa inimaginável!), mas seria ingenuidade ficar apenas nisso, limitar-se a reclamações por problemas causados pelas greves e mobilizações, sem analisar o porquê ocorrem”, destaca Jair.
O mais grave, diz, não são as pessoas nas ruas, mas a repressão da polícia.
Vinte mortos e milhares de feridos.
“Recorreram de maneira indiscriminada às balas de borracha e aos gases lacrimogêneos para atacar os manifestantes que, na sua maioria, protestavam de maneira pacífica, se não considerarmos as confusões geradas pelos infiltrados. Faz tempo que não se via algo assim”.
A Anistia Internacional – cita Krischke – mencionou o recurso dos corpos de segurança de uma “estratégia do medo”, e é precisamente isto o que está acontecendo, afirma. “A polícia e o exército estão espalhados por todos os lados. Inclusive os fuzileiros navais com seus tanques, como no Rio de Janeiro. Efetivamente, dá medo”.
Entre junho de 2013 e início de abril de 2014, cerca de 20 pessoas morreram em acontecimentos relacionados com os protestos, segundo dados da associação Justiça Global, e entre junho e dezembro do ano passado os detidos em manifestações já somavam 1.700, aproximadamente.
“São cifras muito altas, inusitadamente altas”, observa Krischke, “e que vão continuar aumentando, tal como estão as coisas”. A militarização da sociedade é crescente, pautada pela atitude das forças de repressão, mas também pelo governo federal e pela justiça.
Os mesmos métodos usados pela NSA dos Estados Unidos
“Acaba de acontecer uma coisa incrível: um juiz do Rio de Janeiro emitiu, no início de junho, uma ordem de prisão coletiva acompanhada de um mandato de invasão domiciliar e requisição de toda uma área do Complexo da Maré”, um conjunto de favelas localizado na periferia da cidade.
“É absolutamente inconstitucional, não pode haver ordens de prisão coletivas”, comentou Krischke.
Mas há mais. O Congresso está estudando um projeto de lei que define como “atos terroristas” os danos aos bens e serviços essenciais, cuja aplicação restringirá ainda mais o exercício do direito ao protesto, enquanto o Ministério de Defesa concedeu poderes extraordinários aos militares em uma longa resolução onde os movimentos sociais são mencionados como “as forças oponentes”, uma “terminologia que lembra os tempos escuros da ditadura”.
Há algum tempo soube-se, afirma Jair, que o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general José Elito Siqueira, ordenou ao Centro de Defesa Cibernética do Exército realizar um monitoramento das redes sociais, 24 horas do dia, para controlar as comunicações dos líderes mais visíveis das mobilizações de rua.
José Carlos dos Santos, o responsável por este Centro, chegou a admitir que havia recorrido às mesmas metodologias utilizadas pela Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos, organismo para o qual trabalha o ex analista de inteligência Edward Snowden, refugiado há um ano na Rússia após ter revelado a magnitude da espionagem exercida por Washington no mundo inteiro e justamente por meio da NSA.
“Outra vez estamos diante de algo absolutamente anticonstitucional. A segurança interna não é assunto das Forças Armadas e de seus órgãos satélites, mas das polícias. É incrível que um general tenha admitido que agiu como agiu e que não lhe aconteça nada”, reclama o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos.
Um paradoxo da história é que, entre as vítimas das operações de escuta de comunicações telefônicas e eletrônicas da NSA identificadas pelo Snowden, estava a presidenta do Brasil Dilma Rousseff.
“Dilma deixou os demônios escaparem. Deu aos militares poder e se comprometeu com eles, ou seja, abriu as portas do inferno. E todos sabem que, uma vez que os demônios saem do inferno, é muito difícil depois fazê-los retornar. O que fizeram é extremamente perigoso”, Jair afirma denotando clara preocupação.
Cuidado com os infiltrados
Krischke tem 76 anos. “Longe de mim usar de minha idade para dar conselhos aos jovens que protagonizam as mobilizações sociais, mas é muito evidente que lhes falta experiência, e não tomam nenhum cuidado com as manifestações que realizam”, disse.
“Invariavelmente”, essas marchas terminam em atos de vandalismo, cometidos por militantes de grupos de extrema direita, ou por gente paga por eles.
“Isso é bastante sabido, já foram difundidas algumas provas, mas já deveriam haver sido tomadas medidas para que não acontecessem mais essas coisas.
Também são bastante perigosas, porque contribuem para criar o clima necessário para criminalizar os movimentos”, conclui Krischke..