DERECHOS HUMANOS

Um coração de leoa

Durante o XI Congresso da CONTAG encontramo-nos com Joelma. Depois do abraço e do como vai? surgiu espontaneamente uma conversa carinhosa com esta mulher guerreira

Com Maria Joel Dias da Costa, “Joelma”
Um coração de leoa
Exemplo de vida e de luta
Levantar-se com o peso da desolação e da tristeza, dar sustentação a uma família de jovens dizimados pela perda de seu pai, assumir a responsabilidade que lhe entregaram os trabalhadores rurais e continuar sendo a cabeça da luta, enfrentando as ameaças com coragem e simplicidade, surgir como um símbolo de luta para milhares de homens e mulheres sem perder a modéstia. Este é o exemplo de Joelma, com quem dialogamos recentemente em Brasília.
Em 2005, durante o IX Congresso da CONTAG, foi aprovado o início da Campanha Internacional Contra a Violência no Campo, sugerida pela Rel-UITA.

Entendeu-se que a Campanha devia denunciar as diferentes formas de violência: desde aquela que assassina, executando a tiros por meio de capangas e matadores profissionais, que das sombras recebem as ordens dos poderosos locais, até a violência do trabalho extenuante que adoece, deprime, mutila o corpo e trunca projetos de vida, matando pouco a pouco em plena luz da mais brutal exploração.

O estado do Pará foi foco das primeiras intervenções da Campanha. Lá conhecemos Joelma, então presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, para logo se converter em emblema de nossa Campanha.

O bafo hediondo do poder

Joelma é viúva de José Dutra da Costa, “Dezinho”, assassinado em 2000 por ordem de um consórcio de “grileiros”, madeireiros e latifundiários, quando ele era o presidente do Sindicato em questão.

Em 2005 a Rel-UITA realizou o documentário “Na Fronteira do Medo. Histórias de Vida e Morte”. Joelma havia substituído o seu marido assassinado em frente ao Sindicato. Já estava ameaçada de morte e precisava conviver com um esquema de segurança que incluía proteção policial às 24 horas.

No documentário, Joelma e suas filhas relataram que, no dia 21 de novembro de 2000, Dezinho caiu ferido de morte na frente da sua casa; Wellington de Jesús Silva, um pistoleiro lhe disparou três tiros à queima-roupa, cumprindo o acordo feito com José Décio Barroso Nunes, latifundiário, que representava um grupo de poderosos locais.

Gastando suas últimas forças, Dezinho ainda conseguiu reter o seu assassino que foi preso, julgado e condenado a 29 anos de prisão em regime fechado. Em dezembro de 2007, entretanto, deram-lhe permissão para passar o fim de ano fora da prisão, para a qual nunca mais voltou, sendo declarado fugitivo.

Nenhum dos três intermediários entre os mandantes e o assassino foi para a prisão, apesar de terem sido identificados. A Polícia e a justiça locais nunca investigaram a fundo quem foram os responsáveis finais do assassinato de Dezinho.

Historias de encontros

Durante o XI Congresso da CONTAG, agora em março passado, encontramo-nos com Joelma. Depois do abraço e do como vai? surgiu espontaneamente uma conversa carinhosa com esta mulher guerreira.

– Vou bem, na luta! –respondeu-. É um prazer ver você. Lembro-me sempre com muito respeito da UITA, pelo trabalho que fizeram sobre a minha vida.  Não me esqueço da presença do Carlos (Amorín) no Pará, nem do vídeo que fizeram sobre a minha situação, e que serviu para dar visibilidade a todos os riscos e problemas que enfrentamos lá, em Rondon do Pará.

-Onde você está agora?
-Na Federação dos Trabalhadores da Agricultura, regional sudeste, em Marabá. Lá continuo a luta, inclusive ajudando na coordenação com o Sindicato de Rondon do Pará. Na Federação há 17 sindicatos; ali continuamos batalhando pela reforma agrária, em defesa dos direitos humanos e da floresta.

-O assassinato do seu marido continua impune…
-Em 2011 marcaram a data para o julgamento contra Lourival de Souza Costa, um dos latifundiários acusados pela morte de “Dezinho”. Esse julgamento devia ter ocorrido em agosto de 2011, mas dada a transcendência que o assassinato do meu marido tomou, não quiseram julgá-lo em Rondon do Pará. Isso nos gerou muita apreensão e, posteriormente, pedimos a transferência do processo do município para a capital, Belém.

A justiça ainda não definiu uma nova data para este julgamento. Esperamos que seja agora em 2013. Mas o mandante do crime, José Décio Barroso Nunes, continua na mais absoluta impunidade.

Juntas na dor e na luta

-Você continua trabalhando com um esquema de segurança?
– Sim. Estou sob proteção especial do governo brasileiro para poder prosseguir nesta luta.

-Uma das suas filhas estudou direito, como dizia desde bem pequena?
-Sim. Ela se formou em julho de 2011. A festa de formatura foi em Goiás. Ela agora está por prestar a prova de admissão na Ordem dos Advogados do Brasil.

– E se vinculará à luta sindical…?
– Se Deus quiser!… Vamos tê-la como advogada do movimento. Depois do assassinato de seu pai, ela sempre disse: “Vou ser advogada e seguir os passos do papai…”

Incluso se parece muito fisicamente com o pai. Ela é muito lutadora, muito defensora dos direitos dos trabalhadores, com uma visão muito ampla sobre a luta dos trabalhadores.

E minha outra filha, a mais velha, em 2012 foi eleita vereadora municipal. Seguimos juntas na luta.

-Nós te queremos muito… Você é um exemplo que tentamos seguir…
-Eu também admiro muito vocês. Não tem preço a forma como a UITA contribuiu com a minha luta, na defesa de minha vida e de minhas filhas. Sempre estiveram preocupados por mim e estiveram várias vezes no Pará, onde a situação de violencia está cada vez mais feia. Por tudo isto, eu tenho um enorme respeito e admiração por vocês…


Maria Joel Dias da Costa 20130409 610

Foto: Gerardo Iglesias.