GAATW, Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres e sua Rede na América Latina e Caribe (REDLAC)
Uma trajetória de luta contra o Tráfico e em defesa das Mulheres migrantes
Nós do CLAMU divulgamos este artigo de Jaqueline Leite e Nerea Bilbatua, sobre a filosofia e o trabalho desenvolvido pela Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres (GAATW) e sua Rede da América Latina e Caribe (REDLAC). O objetivo desta iniciativa é difundir o trabalho feito por esta organização irmã, com a qual estaremos organizando um seminário internacional em agosto deste ano na cidade de Buenos Aires.
Patricia Alonso, presidenta do Comitê Latino-Americano de Mulheres da UITA (CLAMU)
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A GAATW foi criada em 1994 por um grupo de mulheres (em sua maioria do Sul global) com o objetivo de promover os direitos humanos e o uso de instrumentos e de mecanismos apropriados que abordem as necessidades das mulheres em matéria de migração, trabalho e tráfico de pessoas
O início (1994 – 2000)
Com seu nascimento, a GAATW buscava igualmente facilitar o desenvolvimento contínuo do discurso e da ação em questões relacionadas com o tráfico de pessoas, bem como documentar, desmitificar e denunciar os usos repressivos dos instrumentos contra o tráfico, incluídas aí as convenções e a legislação nacional, em função dos interesses das mulheres migrantes.
Já em 1995, aconteceram (em colaboração com a Universidade de Porto Rico – UPR) as duas primeiras atuações da GAATW na América Latina e no Caribe: uma recopilação inicial de informação sobre o tráfico de mulheres no nível regional, e a organização de um encontro sobre o tráfico e direitos humanos.
Em 1996, e com o objetivo de se fortalecer e se aprofundar no conhecimento já adquirido sobre o tráfico de mulheres na região, a GAATW realizou, com a colaboração e o apoio de várias instituições (COIN, INSTRAW e a UPR) um evento em Santo Domingo no qual participaram organizações de quase todo o continente.
É importante recordar que, neste momento, a questão do tráfico de mulheres já era bastante relevante na América Latina e no Caribe, pois chegavam numerosas informações através de organizações, fundamentalmente europeias, que proporcionavam assistência a mulheres latino-americanas e caribenhas em situação de tráfico em países de destino e davam apoio para quem quisesse retornar às suas nações de origem.
Este evento permitiu que a questão do tráfico de mulheres começasse a ter uma projeção regional, já que até este momento as organizações tinham trabalhado sozinhas.
Em 1997 a Fundação Holandesa contra o Tráfico de Mulheres (STV) e a GAATW coordenaram uma pesquisa em escala internacional (“Tráfico de mulheres, trabalho forçado, prostituição, trabalho Doméstico e casamento”, STV–GAATW) que incluiu uma análise sobre o tráfico na República Dominicana, Curaçao, Brasil e Colômbia e suas conexões com países europeus, e um trabalho seminal na conceituação do tráfico de mulheres.
Este esforço ajudou grande número de ONGs da região a entender os mecanismos do tráfico de mulheres na América Latina e Caribe, contribuindo paraaprimorar o nosso treinamento, compartilhando ideias, conhecimentos e experiências.
O trabalho conjunto continuou em 1998, com a realização de uma oficina regional sobre direitos humanos das mulheres realizada pela GAATW, COIN, UN-INSTRAW, Pro Mulher e pela UPR. Um dos objetivos desta oficina era familiarizar as mulheres ativistas com o marco de direitos humanos dentro de um contexto do “tráfico” e da imigração (é importante lembrar que nesse momento a palavra “tráfico” não era utilizada corretamente e vinha a descrever o que atualmente denominamos como “tráfico de pessoas”)
O final da década de 90 mostrou a urgência de se desenvolver estratégias nacionais e regionais para que as ONGs pudessem trabalhar contra o tráfico de mulheres dentro de uma perspectiva de direitos humanos, de uma forma mais sistematizada e estruturada, incluindo questões chave como, por exemplo, a compreensão do fenômeno do tráfico, a luta pela criação de mecanismos de acesso à justiça e o reconhecimento de direitos das mulheres em situação de tráfico, bem como o direito a uma migração segura.
Todas estas eram questões atuais, de crescente interesse internacional, mas faltava um aprofundamento por parte das ONGs da região. Uma dificuldade a mais naquele momento era a ausência de uma definição internacionalmente aceita de tráfico, o que fazia com que cada país, e inclusive cada organização, trabalhasse de forma conceitualmente diferente ainda que dentro de uma visão de direitos humanos.
Definindo as bases (2000 – 2006)
Uma das estratégias para responder aos desafios anteriormente assinalados foi a elaboração, por parte da GAATW, de um “Manual de direitos humanos e Tráfico de pessoas”, por meio de uma oficina em Bogotá, em 2000, da qual participaram numerosas ONGs latino-americanas e caribenhas.
Este manual (cuja primeira versão foi publicada em 2001, com o apoio da Organização Internacional para as Migrações, OIM), teve como objetivo introduzir e socializar a experiência na luta contra o tráfico, com ênfase na proteção dos direitos humanos na região.
O processo de trabalho sobre (e contra) o tráfico levou a uma série de organizações da região a questionar a necessidade de criar bases para um fortalecimento do trabalho em conjunto, especialmente visando a melhorar a incidência política e aprofundar as discussões.
É por isso que, em 2003, cerca de 14 ONGs de diferentes países latino-americanos e da Espanha se reuniram em Bogotá, apoiadas de novo pela GAATW, para iniciar um processo de criação de uma Rede Latino-Americana e do Caribe contra o Tráfico de Pessoas, que naquele momento se chamou NO ATRAPA-INDIAS (Tradução livre: “Não Intercepte-Índias”), e cujo objetivo foi facilitar a troca de informações sobre as atividades de cada país membro e entre suas diferentes organizações na luta contra o tráfico.
2004, 10 anos da GAATW
Neste ano, as ONGs CHAME (Brasil), CONLATRAHO (Colômbia), COIN e a RNCTP (República Dominicana) foram selecionadas pelas organizações presentes na comemoração do referido aniversário para coordenar as atividades da GAATW na América Latina e Caribe.
No ano seguinte (2005), as organizações da GAATW na LAC participaram em conjunto do Fórum Social Mundial (FSM) de Porto Alegre, algo que se repetiria nos FSM de Caracas (2006) e de Belém do Pará (2009).
GAATW-REDLAC (2006 – 2009)
Na última década o cenário de luta contra o tráfico de mulheres global e regionalmente na América Latina e Caribe sofreu importantes transformações: existe hoje em dia uma maior sensibilização sobre o assunto, mais e mais atores (tanto ONGs como estados e organismos internacionais e regionais) trabalhando em numerosas leis e planos de atuação no nível nacional e um maior conhecimento sobre este fenômeno.
Entretanto, pensamos que subsistem grandes e muito graves problemas, incluindo a ausência de políticas públicas integrais que deem resposta, dentro de uma perspectiva de direitos humanos, para a complexidade que representa a situação do tráfico, como por exemplo: a confusão conceitual em todos os níveis, o uso de outras agendas, a falta de incidência e de participação da sociedade civil nas instâncias formais e regionais, a ausência de informações estatísticas confiáveis sobre o alcance do tráfico que permitam às organizações da sociedade civil trabalharem de forma consciente, bem como a falta de mecanismos de comunicação e intercâmbios de maior fluidez e sistemáticos entre as ONGs, para nomear só alguns desses problemas.
Para dar uma resposta conjunta latino-americana e caribenha a esta situação, 18 organizações da região, junto com o Secretariado Internacional da GAATW, estabeleceram formalmente, em 2006, a REDE LATINO-AMERICANA e DO CARIBE CONTRA O TRÁFICO DE PESSOAS
(GAATW – REDLAC).
Quem somos? E o que fazemos?
GAATW–REDLAC se autodefine como uma “rede de organizações da sociedade civil da América Latina e Caribe que trabalham enfrentando o Tráfico de Pessoas, com ênfase nas mulheres e crianças, dentro uma perspectiva de direitos humanos, e pretendem ser uma voz com presença nacional, regional e internacional”.
Desde a sua fundação, em 2006, a GAATW-REDLAC participou de numerosos eventos, incluindo o II Encontro Cívico Ibero-Americano no Uruguai (2006), o Fórum Social Mundial das Migrações em Madri (2006 e 2008) e o 1° Congresso Latino-Americano contra o Tráfico em Buenos Aires (2008), além do mencionado FSM em Belém do Pará (2009), com o objetivo geral de “contribuir para a promoção de mudanças nas estruturas econômicas, sociais, legais e políticas para a implementação de estratégias de prevenção e de proteção para as pessoas alvo de tráfico, bem como levar à justiça os traficantes”.
A geração de conhecimento e o fortalecimento do trabalho em rede foram igualmente importantes para a GAATW-REDLAC e assim, em 2008, organizações membro completaram a Pesquisa Trinacional sobre o Tráfico de Mulheres do Brasil e da República Dominicana para o Suriname.
GAATW-REDLAC manteve reuniões regulares para definir e avaliar o seu plano de ação, bem como para continuar com a troca de informações e a análise em conjunto da luta contra o tráfico em nível regional durante os encontros ocorridos na República Dominicana em 2006 e 2008.
Em maio de 2009, foi realizado no Brasil o III Encontro GAATW-REDLAC, onde os e as participantes escolheram entre dois grupos temáticos.
O grupo de Acesso à Justiça (AtJ) definiu o encerramento e distribuição do Relatório sobre AtJ na América Latina e Caribe, bem como a criação de uma rede de informações. O grupo “Reconheçam direitos” decidiu focalizar-se na difusão do Movimento “Stop, Look, Listen”, cujo objetivo principal é a promoção de um mecanismo de revisão do Protocolo de Palermo[1], um acordo para a “prevenção, repressão e punição” do tráfico de pessoas, adotado pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional no ano de 2000.
Apesar de nem sempre ter sido fácil, esta foi e continua sendo uma trajetória apaixonante de aprendizagens, conversações, análises e ações conjuntas, de amizade e de sonhos compartilhados que continua avançando de forma firme e decidida, em prol do respeito aos direitos das mulheres traficadas.